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sexta-feira, 13 de maio de 2016

lançada ao mar

Greg,

um dia desses, te ouvi colocando em palavras algo que sente quando escreve e, por segundos, minha mente fez uma bagunça. Uma bagunça que fez nascer uma pergunta: ele está falando dele ou de mim? Mais uma vez, quase pauso o bate-papo pra te dizer "comigo é exatamente assim", como se você fosse poder me ouvir. Assim como você, acho que a sensação de estar jogando uma garrafa no mar é o mais chato em escrever. Não se sabe se alguém vai receber. Se alguém vai ler. No instante em que escrevemos, nunca podemos ouvir alguém dizer "comigo é exatamente assim". Esse é o motivo pelo qual escrevo uma carta: pra ter a quem direcionar essa garrafa. Mas não pense que direcioná-la a você foi uma estratégia para facilitar o arremesso. Há pessoas mais próximas ao meu redor. Jogar essa garrafa a qualquer uma delas pouparia trabalho ao meu braço. Quando a distância é menor, parece que o vento decide interferir menos. Mas, subestimando o vento e superestimando a força do meu braço, escolho mandar essa garrafa pra você.
Por aqui, o mar anda agitado. Para mim, que sempre fui adepta da ideia de que o mundo, paradinho, tem a maior graça, não tem sido muito fácil. Sim, ainda me refiro àquela longa batalha contra o transtorno alimentar que me fez construir esse espaço. Não faz muito tempo desde o dia em que a gente se viu pela última vez, Greg. E eu me lembro que, naquele dia, nove meses depois da minha internação, no começo de dezembro, você sorria pra mim dizendo que eu estava bem. Que eu estava saudável. Eu realmente estava bem, estava saudável. Pela primeira vez, depois de anos controlando inconsciente e obsessivamente as quantidades e calorias, sendo refém de pensamentos doentios, temendo imprevistos e interferências externas, eu me via leve, experimentando doces e doses da liberdade que conquistei, gradativamente, após a internação. Desde o fim da internação, cabendo em todas as roupas do meu guarda-roupa, eu escolhi vestir a camisa dessa luta. Decidi batalhar pela minha saúde e, à essa altura do campeonato, percebo essa doença fazendo gol contra, entregando o jogo ao perceber que não tem mais jeito: o espaço que ela ocupava é hoje onde estão meus amigos, minha família, meus livros, o amor, o humor, a música, os estudos, a minha liberdade, meus pais, minha paz. Hoje eu posso dizer: eu estou bem. Eu estou saudável. Posso dizer. O problema é que alguns escolhem não me ouvir. O termo "alguns", numa tradução ao pé da letra, significaria "médica à frente do meu caso e sua equipe". Pra eles, eu não sou Indra. Sou a imagem de um estereótipo. Sou um número. Sou mais uma das tantas pessoas que sofreram de anorexia restritiva e que querem se manter nesse problema. Sim, fui uma das tantas pessoas que tiveram anorexia restritiva. Mas nunca quis. Nem ter, nem manter. Eu nunca quis. Eu não quero. E quero que eles saibam que não quis e não quero. 

Um dos principais sintomas desse transtorno é o medo obsessivo de ganhar peso. E, enquanto eles acham que esse sintoma ainda existe na minha mente, eu decidi que vou usá-lo como um aliado. Para provar aos que ainda me exigem, autoritariamente, alguma prova de que eu não sou só um número ou a imagem de um estereótipo doentio, eu aceitei um desafio, Greg. Mesmo que eu esteja bem e saudável e mesmo que isso seja visível, vou ganhar peso para mostrá-los que já não convivo mais com esse típico medo. Mas não nego que é triste ver minha palavra não tendo credibilidade quando digo a verdade. É triste não ter autonomia para fazer o que quero com o meu corpo e com a minha própria vida, mesmo quando meu querer é viável e saudável. E você, Greg, é um dos principais motivos pelos quais eu não estou desistindo desse desafio, ainda que ele às vezes me pareça difícil. Porque sempre vi em você a leveza de quem vive livre, a beleza de quem ri das próprias imperfeições e a simplicidade de quem, quando necessário, sabe dar adeus à vaidade. O que quero é dar adeus à minha vaidade, pelo menos até recuperar a minha total liberdade. Quero provar a eles - e a mim - que a mereço. 
É um caminho difícil e cansativo. Mas sempre lembro de você. De como você parece caminhar desprendido, destemido. Penso na leveza, na beleza e na simplicidade que você parece carregar consigo. Então eu sigo. E penso: eu consigo. 
Entende por que eu tinha que direcionar pra você essa garrafa? Porque eu tinha que te dizer obrigada. Obrigada por ser parte do que me faz forte. Por tornar essa caminhada menos escura. Mais curta. Mais certa. Mais segura.
Sinto que a distância entre a gente é grande. E é mar aberto. E o vento também pode interferir. Mas estou juntando forças dentro de mim. Acho que essa garrafa uma hora chega aí.