Web Statistics

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

dos baixos à minha alta - dia cinco

Esse é o quinto dia de internação. E o número cinco não é nem metade do estabelecido como previsão. Daqui até o fim, ainda vou receber muita visita do desespero por estar perdendo os primeiros meses do terceiro ano do ensino médio ou por tudo o que é incerto. Sinto que as dificuldades crescem de modo gradativo. A parte boa de tudo isso é que o tal do otimismo tem insistido em caminhar comigo. Não minto: o início tem sido difícil. Mas eu sei que entre minhas curtas conversas com médicos e nutricionistas estão contidas boas notícias. Eu acredito que uma hora a minha rotina vá se moldar pra caber neste lugar, que tende a se tornar cada dia mais familiar.
Dos baixos a minha alta, eu vou ficando íntima do tédio. E aprendo um pouco mais sobre coragem, saudade e afeto.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

onde eu deveria estar - dia quatro

Presa neste quarto de hospital, meu conhecimento geral está cansado dos preparativos (ou do início?) do carnaval. Eu sinto falta de saber sobre a que ritmo tem ido a vida real. Imagino os carros ainda congestionados nas grandes avenidas, acalmando (ou atrasando) a correria comum entre diferentes rotinas. Penso na praça em que eu mais gostava de andar de patins, onde sei que muitos caem e levantam exatamente agora. Onde eu costumava esquecer para que servem as horas. A praça onde estive pouco antes de vir parar aqui, sem sequer saber que eu estava ali pra me despedir. Eu tenho lido e visto o jornal, e sinto como se tudo lá fora estivesse normal. Pelo visto, esse período de mudanças repentinas se limitou a minha vida. Eu convivo há quatro dias com o dobro de novidades e dificuldades. Num só quarto, guardo tédio com pensamentos no terceiro ano do ensino médio, juntos ao receio, ao cansaço, ao anseio. E à paciência de digitar todo esse texto só com a mão esquerda, já que a dor do soro é crescente na direita. Mas, apesar de qualquer dificuldade, sinto que eu não deveria estar em outro lugar. É bom estar aqui batalhando, sangrando, reaprendendo a caminhar.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

a famosa doença da moda - dia três

O carnaval acaba de começar. E nesse ano, veio invadindo tudo o que é lugar. Dá até pra escolher de qual participar: do carnaval das avenidas ou deste que se passa na minha vida. Mas vou logo avisando: ambos estão agitados, desorganizados, lotados. Os refrões vazios que lotam ruas são tåo cansativos e repetitivos quanto os procedimentos hospitalares. E os versos nada poéticos que agridem a avenida rimam com as especulações que já fazem parte da minha rotina. No primeiro dia de internação, estava eu ali, sentada, desesperada, parada, a ficha já caída, eu ainda não conformada, quando percebi que mais um jaleco branco se aproximava. Nos útimos dias, desenvolvi uma teoria (ou talvez um preconceito chamado de outro jeito pra parecer menos feio): a qualidade de um médico é denunciada pela sua abordagem. E aquele jaleco branco me abordou como fazem os meus parentes distantes, vizinhos, conhecidos, com as mesmas perguntas leigas feitas sem a menor sensibilidade. Não, eu não desenvolvi um distúrbio alimentar restritivo por  moda, por sonhar em ser modelo, por motivos desse tipo, baseados em vaidade. Sempre me senti feliz por ser alheia a esse tipo de futilidade. No entanto, aconteceu. E aqui estou eu, presa a esta magreza graças à famosa doença da moda. Aconteceu. Como um tumor acontece. Um tumor resulta de uma falha na atividade celular, enquanto uma soma de falhas psicológicas impulsionam um distúrbio alimentar. Ambos são doenças que ninguém escolheria ter, mas que podem simplesmente acontecer. E agora? O que fazer? É reaprender a viver. É lutar contra este carnaval agitado, desorganizado, lotado que há algum tempo eu guardo.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

procedimentos e compadecimentos - dia dois

É muita interrogação para tão pouco tempo de internação. É muita gente, muitas novidades e procedimentos, precauções, preocupações, compadecimentos. Imagino que toda essa pluralidade deva parecer confusa para quem está aí fora, na vida, longe dos bastidores desse espetáculo um tanto dramático, mas adequado para o meu estado, então venho revelar um pouco do que se passa por trás das cortinas. É muita gente. Gente diferente com discurso igual. Gente que diz pode contar comigo através de um sorriso. Gente agindo como se tudo isso foi muito normal. Gente fazendo com que a gente perceba que estar aqui não é legal, mas também não é assim tão mau. A equipe de salvadores é grande, bem como a quantidade de perguntas idênticas que cada um deles faz a mim. Por enquanto, elas têm sido respondidas com facilidade. Difícil vai ser lembrar o nome dos que as fazem. É muita gente.
Minhas curiosidades e impressões se expandem a cada novo procedimento, colonizando a terra das minhas incertezas. Pergunto qual o conteúdo de cada seringa, como se a resposta, composta por palavras da medicina, pudesse ser entendida (saudades do meu professor de química). Às vezes, demoramos a engolir certas novidades. Tem coisas que não nos desce a garganta. E esse já não é o caso da sonda que transporta até o meu estômago um líquido proteico, cor de café com leite. O incômodo em relação a isso é agora quase desprezível. E eu acredito que a palavra quase tende a sumir da última frase. Tenho plena consciência de que o liquido café com leite é um dos principais responsáveis pelas mudanças que vão acontecer no meu corpo ao longo do tratamento. E, ainda assim, não estou deixando que a minha mente doente o considere um inimigo. Se o objetivo é reencontrar a vida e viver em equilíbrio, ele é que seja bem-vindo. 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

o primeiro hoje - dia um

Só hoje posso perceber quanto hoje foi deixado pra amanhã. Minha mente doente sempre acabava me fazendo acreditar que todos os ontens que um dia foram dias de hoje fariam melhor na manhã de amanhã. Muito tempo foi desperdiçado. E não há desperdício que não traga consigo algum mau resultado. Os exemplos disso estão no Jornal Nacional e neste quarto de hospital: a água está escassa. E eu acabo de ser internada.
Na manhã de hoje, eu perderia um dia de aula e, em compensação, ganharia mais uma consulta para a minha coleção. Aquela seria mais uma conversa com mais um médico sobre esse transtorno alimentar, causado sobretudo pela minha insegurança sem explicação e causador da minha incapacidade de dizer não à restrição. Aquela seria mais  uma conversa sobre metas numéricas, exatamente igual às outras tentativas de salvação, se os meus salvadores de hoje não tivessem concluído que, para o meu estado debilitado, a internação é a única opção. Não preciso de longas frases e orações para descrever o momento da sentença final. Afinal, não se pode dizer mais nada depois que a ficha cai. A palavra desespero descreve as horas seguintes à queda da bomba. Agora é substituir o desespero pela esperança de me reconstruir. Hoje foi o primeiro dia de hoje, entre tantos hojes adiados, desperdiçados, deixados pra amanhãs.
Mais cedo, tirei um raio X para que os médicos pudessem ter a certeza de que a sonda que agora congestiona a minha garganta está indo a caminho do meu estômago. Pra calar o silêncio, o técnico responsável pelo raio X fez a pergunta cuja resposta já estava explícita  nas minhas lágrimas contidas: tudo bem?, ao que eu respondi "tudo indo". Tudo lindo?, ele perguntou, surpreso, assustado. Enganado.
Eu estou surpresa, assustada. Mas cansada de me enganar. Então, vou fazer o que posso: lutar. Sorrindo, porque ainda é possível. Escrevendo esse diário sobre um tempo que vai ser difícil. Aliviada por saber que esta é uma batalha vencível. Agradecendo e dizendo a você que lê isso: seja bem-vindo. Nada por aqui está tão lindo, mas vamos seguindo.