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sábado, 21 de fevereiro de 2015

respostas para quem vê de fora - dia treze

Eu imagino você imaginando que tudo aconteceu de repente, como se um dia eu simplesmente tivesse acordado doente. E eu entendo você. Como um edifício é construído, um transtorno alimentar é desenvolvido de modo gradativo e cansativo. Mas quem vê de fora, só vê o fim da obra.
O fato é que o início de tudo isso foi a soma entre cobranças e mudanças. E esse complexo cálculo matemático resultou nos primeiros motivos e indícios. Respondendo ao preconceito dos leigos: eu não quis ser modelo. Eu não subordinei a minha cabeça à ditadura da magreza, nem sequer quis caber em padrões de beleza. O fato é que, por um segundo, eu quis carregar sozinha todo o peso desse mundo.  Eu quis esquecer o passado, entender o presente e saber do futuro. Toda a minha preocupação sem explicação fez com que eu quisesse controlar o tempo e guardá-lo em minha mão. Mas tudo o que estava ao meu alcance era o controle da televisão. E da minha alimentação.
Inconscientemente, eu desliguei a TV. Substituí lazeres por deveres. Perdi quilos e amigos. Sem entender o que estava acontecendo e assustada diante da rapidez com que eu estava emagrecendo, procurei por explicações e informações. Comecei a buscar os motivos para o vazio que passou a conviver comigo. Assisti a vários programas a procura de respostas. Quando o assunto são distúrbios alimentares, sou vítima e especialista. Então, através de todas as minhas pesquisas repetitivas, cheguei a um autodiagnóstico. De modo inconsciente, gradativo e cansativo, eu desenvolvi um transtorno alimentar restritivo. A preocupação ou o preconceito podem te fazer pensar que eu vomito ou não paro de fazer exercício físico. Mas nada disso chegou a estar entre meus sintomas. Simples e infelizmente, eu desaprendi a comer pra viver. Eu desaprendi a comer. E a viver. Por isso, escrevo esse texto pra você: para pedir que você percorra outro caminho, ou este quarto de hospital também vai acabar sendo o seu destino.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

o que aprendi hoje - dia doze

Eu não estou sozinha. E, dessa vez, não afirmo isso me referindo ao meu diagnóstico, ao meu quadro. Estou me referindo aos que, de fato, estão do meu lado. Nesse momento, sinto muito sono. Mas não podia ir dormir sem deixar registrado aqui o que hoje eu aprendi: os dias difíceis servem para que a gente possa ver quem realmente está com a gente. E eu acabo de dar tchau aos meus melhores amigos, que passaram a tarde aqui comigo. Então, me digam: de que mais preciso? Eu acabei de descobrir que tenho para quem dar a mão e com quem seguir. E que bom é ter quem venha até um hospital só para me trazer de presente bons motivos para sorrir.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

passos à frente - dia onze

Nos primeiros dias de internação, este quarto tinha a frieza de uma prisão. A sonda e o soro que me mantinham parada e deslocada eram algemas disfarçadas. Mas eu não pensei em fugir. Eu já tinha entendido que estar aqui seria melhor pra mim. Só o que faltava era me sentir acostumada à ideia de passar dias inteiros deitada. Mas a gente sabe que costume nunca chega no primeiro momento. Sempre se atrasa e só vem depois de um bom tempo. A novidade é que acabo de ser solta do soro, a minha principal algema, que fazia substâncias e dores correrem pelas minhas veias. Meu corpo acaba de reconquistar um pouco de autonomia. E eu não sabia que não estar deitada seria motivo para tanto alivio e alegria. Eu escrevo esse texto sentada. E cada uma dessas palavras já pode ser gesticulada. Ir até a varanda ou à pia já não parece um sonho irrealizável.
Hoje foi dia de dar passos à frente. Literalmente. 
Acho que as coisas estão ensaiando para melhorar. E eu sei que logo o ensaio vai ter que acabar para que o espetáculo possa começar. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

turismo hospitalar - dia dez

Eu não estou sozinha. E não afirmo isso com um olhar restrito ao espaço físico deste quarto. Estou me referindo ao meu quadro. Não desista de entender caso não tenha ficado muito claro: estou a caminho dos fatos. Querendo economizar toda a minha pouca energia, os médicos determinaram que devo ficar em repouso o dia todo, todo dia. Mas essa regra teve seus instantes de exceção. Ontem, pela primeira vez em pouco mais de uma semana, estive por longos cinco minutos longe desta cama. No meu primeiro turismo hospitalar, eu e a minha mãe caminhamos até o início daquele corredor que parece infinito, onde nossa lentidão era toda a movimentação. E entre todas essas portas iguais que escondem conversas diferentes, me deparei com aquela menina. A gente não disse uma palavra. Não precisava. Logo vimos que, se viemos parar aqui, foi por um mesmo motivo. Então trocamos um sorriso. Nossos olhos se olhavam denunciando nossa empatia. E entre nossos sorrisos contidos, eu pude ouvir o que a gente dizia: eu não estou sozinha.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

novos universos - dia nove

Por aqui, cada dia cria a mania de imitar o anterior. Os dias não têm tido personalidade, o que explica a minha falta de novidade. Com exceção do cobertor, tudo se mantém inalterado: o calor, o cenário, o meu humor, o cardápio, os horários. São sempre as mesmas perguntas antecedendo os mesmos remédios. E, sinceramente, nada disso tem sido assim tão ruim. Mas não tenho dúvidas de que os momentos com as pessoas estão entre as melhores coisas daqui. Cada enfermeira ou médico com quem converso me mostra um pouco de um novo universo. Sinto como se eu estivesse conhecendo o mundo sem que seja necessário sair desse quarto.
Por aqui, os dias se imitam. Mas as esperanças não se limitam.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

uma semana - dia oito

Faz uma semana que os meus dias são vividos nessa cama. E o fato é que eu acho que o tempo tem passado rápido. Cheguei aqui achando que eu passaria dias implorando para que os dias passassem. Achei que aqui, nos bastidores, cada sorriso seria esconderijo de dores. Foram muitos os motivos para achismos negativos. Eu não me sentia preparada para ser desafiada. Mas então o dia de hoje começou e o café da manhã chegou como uma prova de que eu estava enganada.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

nem tudo são dores - dia sete

Ontem eu tive um bom dia: estudei inglês e biologia. Mas a minha alegria não surgiu a partir da evolução vegetal ou do possessive pronoun. A alegria veio por eu ter visto que a construção de uma nova rotina nesse hospital, embora pareça difícil, é uma missão possível. Eu sei que ainda vou sentir muita saudade da vida lá fora, da sala de aula e de casa. Mas, por enquanto, o meu cotidiano vai ter este quarto como cenário. E não posso fazer nada a não ser me conformar sem me acomodar. Agora é levantar e lutar.
Ontem o dia foi bom. A noite, no entanto, nem tanto. Dos últimos minutos do horário de visita até o fim do dia, estive muito ocupada dando atenção a esta febre, que ainda me faz companhia. Eu tenho agora um pouco de medo guardado, muito sangue coletado e, claro: uma porcentagem considerável de otimismo graças aos que caminham comigo. Meu corpo cansado se esforça para acompanhar o meu coração acelerado. Mas, me diz, de que posso reclamar? Aqui estão meus pais me trazendo paz. E, além de todo apoio da família, eis que tive a sorte de me deparar com a minha atual nutricionista, em quem posso encontrar a mesma calma que guardo na minha alma. Michelle, que não sei se lê esse texto e se seu nome é escrito com dois L, mas que, sem sequer saber, é hoje alguém que me fortalece e me incentiva a voltar à vida pelo simples fato de ter optado por estar do meu lado nesta batalha.