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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

eu não estou na vitrine - dia dezenove

Não. Eu não desisti de escrever aqui. A minha ausência foi consequência de dias cheios de visitas, sono, anseios e daquilo que a gente sente quando vê que a nossa vida, de repente, mudou completamente. Mas, apesar de cada dificuldade e da falta de novidade, eu não desisti de escrever aqui.
Sei que posso estar sendo vítima de uma interpretação distorcida. Por isso, digo e, se for preciso, repito: não busco autopromoção ao escrever aqui sobre a minha internação. Não estou me colocando numa vitrine, por onde vocês vão passar, para onde vão olhar enquanto decidem se vão comprar. Não quero me tornar um produto rotulado por este transtorno alimentar. Por isso, torno explícita a minha aversão à exposição. Escrevo porque assim concretizo um compromisso que faço comigo. E, como consequência, passo informação e posso ser fonte de conscientização.
Há algum tempo eu queria criar coragem para escrever sobre a minha maior dificuldade. Eu sabia que traduzir este problema exigia que eu estivesse preparada para assumir um compromisso com as minhas próprias palavras. E eu não tinha certeza de que eu queria sair da minha zona de conforto. Mas então eu soube que seria internada. E, naquele mesmo dia, descobri que a minha coragem estava criada.  Demorou, mas a hora de reaprender a viver chegou. A ficha caiu. E se escrevo esse texto é porque quero deixar registrado o meu compromisso com este desafio.

Que bom é ter a liberdade de falar a verdade.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

nem tudo são flores - dia dezesseis

Eu preciso fazer não sei quantas questões de Matemática. Mas também preciso ler todas aquelas páginas de Gramática. Já escrevi o texto de Redação, mas, em compensação, preciso fazer um resumo sobre colonização. E lembrei que não posso me esquecer de revisar o assunto novo de química, resolver questões de física, estudar mais a evolução vegetal, ler apostilas sobre revolução industrial. Eu sei que eu devo estar nesse hospital. Mas, às vezes, sinto saudade da vida normal. Eu estou perdendo, nesse exato momento, o primeiro mês do meu último ano escolar. E toda manhã eu lamento em silêncio por não poder estar lá.
Hoje a minha preocupação não coube no meu corpo. Ela exigiu mais espaço, por isso se expandiu por todo esse quarto. Desculpa, mundo, mas eu precisava daquele breve momento de fraqueza. Eu precisava traduzir a minha tristeza passageira. Agora meus óculos estão embaçados, mas o meu coração está aliviado. Eu estou conformada em estar aqui, mas sinto falta de tudo o que vi e do que ainda não vivi. Sinto saudade da minha correria sem novidade. E da minha rotina, da minha liberdade. Hoje não foi o melhor dia. Às vezes me vem essa saudade da vida. Desculpa, mundo, mas hoje eu tenho que deixar pra amanhã.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

feliz ano novo - dia quinze

Dizem que o ano só começa depois do carnaval. E, pelo visto, esta regra também se aplica à vida no hospital. Há duas semanas estou aqui. Mas só hoje percebi que os últimos dias em casa e os primeiros dias internada foram vividos num mesmo ritmo. Não se via correria por estes corredores. E não havia rotina que não fosse vivida na frequência de uma lenta contagem regressiva. Tudo e todos estavam à espera da festa. E então a contagem chegou ao zero. A festa começou. E o hospital esvaziou.
Enquanto você aí fora viveu imerso à poluição sonora, eu convivi com a escassez de som. E garanto: nenhum dos extremos é bom. Você respirava o mesmo ar que toda aquela multidão, enquanto, por aqui, foram dias e dias de solidão. Poucos foram os batalhadores que enfrentaram o plantão. Mas depois desse momento em que eu e voce vivemos os extremos do carnaval e do hospital, a festa acabou e tudo voltou ao normal.
Imagino todos aí fora voltando aos trabalhos, à escola. Por aí, imagino que a correria já faça com que não sobre tempo para contagens regressivas. E a segunda-feira deve ter voltado a ser temida.
Por aqui, tudo vai indo. O número de pacientes é crescente, o que tem até me feito um pouco feliz. Desculpa, não escrevo isso por mal. É que agora médicos andam pra lá e pra cá, eu digo e repito que tudo vai bem comigo, recebo de presente visitas e sorrisos, enquanto pacientes, visitantes e acompanhantes choram, sorriem e se abraçam, e crianças passam e espalham brinquedos e leveza, expulsando desse lugar toda sua frieza. E muitos são os enfermeiros que enfrentam o plantão. Com toda essa movimentação, onde sobraria espaço para monotonia e solidão?
O carnaval passou. Agora o ano começou. Feliz ano novo.